Até o mais seguro dos homens e a mais confiante das mulheres já
passaram por um momento de hesitação, por dúvidas enormes e dúvidas mirins, que
talvez nem merecessem ser chamadas de dúvidas, de tão pequenas. Vacilos, seria
melhor dizer. Devo ir a este jantar, mesmo sabendo que a dona da casa não me
conhece bem? Será que tiro o dinheiro do banco e invisto nesta loucura? Devo
mandar um e-mail pedindo desculpas pela minha negligência? Nesta hora,
precisamos de um empurrãozinho. E é aos empurradores que dedico esta crônica, a
todos aqueles que testemunham os titubeios alheios e dizem: vá em frente!
“Obrigada por insistir para que eu pintasse, que eu escrevesse,
que eu atuasse, obrigada por perceber em mim um talento que minha autocrítica
jamais permitiria que se desenvolvesse.”
“Obrigada por insistir para que eu fosse visitar meu pai no
hospital, eu não me perdoaria se não o tivesse visto e falado com ele uma
última vez, eu não teria ido se continuasse sendo regida apenas pela minha
teimosia e orgulho.”
“Obrigada por insistir para que eu conhecesse Veneza, do contrário
eu ficaria para sempre fugindo de lugares turísticos e me considerando muito
esperta, e com isso teria deixado de conhecer a cidade mais surreal e
encantadora que meus olhos já viram.”
“Obrigada por insistir para que eu fizesse o exame, para que eu
não fosse covarde diante das minhas fragilidades, só assim pude descobrir o que
trago no corpo para tratá-lo a tempo. Não fosse por você, eu teria deixado este
caroço crescer no meu pescoço e me engolir com medo e tudo.”
“Obrigada por insistir para eu voltar pra você, para eu deixar de
ser adolescente e aceitar uma vida a dois, uma família, uma serenidade que eu
não suspeitava. Eu não sabia que amava tanto você e que havia lhe dado boas
pistas sobre isso, como é que você soube antes de mim?”
“Obrigada por insistir para que eu deixasse você, para que eu
fosse seguir minha vida, obrigada pela sua confiança de que seríamos melhores
amigos do que amantes, eu estava presa a uma condição social que eu pensava que
me favorecia, mas nada me favorece mais do que esta liberdade para a qual você,
que me conhece melhor do que eu mesma, apresentou-me como saída.”
“Obrigada por insistir para que eu não fosse àquela festa, eu não
teria agüentado ver os dois juntos, eu não teria aturado, eu não evitaria outro
escândalo, obrigada por ficar segurando minha mão e ter trancado minha porta.”
“Obrigada por insistir para eu cortar o cabelo, obrigada por
insistir para eu dançar com você, obrigada por insistir para eu voltar a
estudar, obrigada por insistir para eu não tirar o bebê, obrigada por insistir
para eu fazer aquele teste, obrigada por insistir para eu me tratar.”
Em tempos em que quase ninguém se olha
nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz
respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças,
indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua
energia conosco, insistindo.